segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Neruda e os sentimentos de madeira

Meus sentimentos são madeira e mar. Assim como a poesia de Neruda é esculpida, meus sentimentos também o são. Por um ou vários pares de mãos. Contínua e incessantemente.

Por isso vejo meu rosto em suas obras (diferente, mas ainda meu), por isso leio seus(meus) versos avidamente nessa noite interminável.

Então, pelas palavras dele, meus lábios expressam aquilo que não são capazes de pronunciar:


Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, 
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe". 
O vento da noite gira no céu e canta.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Eu amei-a e por vezes ela também me amou. 
Em noites como esta tive-a em meus braços. 
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.


Ela amou-me, por vezes eu também a amava. 
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. 
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.


Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. 
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. 
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. 
A noite está estrelada e ela não está comigo.


Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. 
A minha alma não se contenta com havê-la perdido. 
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. 
O meu coração procura-a, ela não está comigo.


A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. 
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. 
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. 
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.


De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. 
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. 
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. 
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.


Porque em noites como esta tive-a em meus braços, 
a minha alma não se contenta por havê-la perdido. 
Embora seja a última dor que ela me causa, 
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.


Isto é um adeus? Certamente.
Escrevo isso com o gosto agridoce da culpa em minha boca.

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